quinta-feira, 11 de novembro de 2010

(...) E talvez fosse o efeito daquele silêncio tenebroso que a deixara assim, gelada; enquanto a visão do seu sonho escapava lentamente pela janela. Aquela visão que - como de costume - seria tão anestésica, se a dor da perda não se sufocasse tanto, e tão completamente.
Numa tarde de julho, o sol levemente atravessando as vidraças da cozinha, transpassando-as, e projetando traços e formas reluzentes na prataria; nos vidros da prateleira e especialmente no jarro ao centro da mesa; cujo qual portava flores silvestres, todas leves e pequenas, trazendo um frescor inédito ao ambiente; ao passo que suas cores apáticas se misturavam pelo cômodo. O cheio forte de café fresco a tirou da cama confusa, deixando o velho sonho para trás. E com a esperança de acordar daquela nortidez ela abriu a porta da cozinha. Para sua inesperada surpresa sentiu uma batida viva em seu coração, ao se deparar com aquele elemento que completava o quadro, ele. Como se tivesse sido desenhado à tinta guache, ele estava ali, imóvel ao vê-la. A sensação de dor pareceu ser sugada de dentro para fora, e ela apenas piscou, por um momento estática; e em seguida começou a caminhar, tímida, seu rosto voltando a ter cor. Não era como se ela estivesse curada, era como se ela nunca tivesse sido metade.
"Wishing you could be doing something else
Even though
You don't even know
What that would be"

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Soneto 29 - William Shakespeare

Sonnet 29
By Shakespeare

When in disgrace with fortune and men’s eyes
I all alone beweep my outcast state,
And trouble deaf Heaven with my bootless cries
And look upon myself and curse my fate
Wishing me like to one more rich in hope
Featured like him, like him with friends possessed
Desiring this man’s art and that man’s scope
With what I most enjoy contented least
Yet in these thoughts myself almost despising
Haply I think on thee, and then my state
Like to the lark at break of day arising
From sullen earth, sings hymns at Heaven’s gate
For thy sweet love remembered such wealth brings
That then I scorn to change my state with kings.


Soneto 29
Por Juliana Lima

Mal visto pela sorte e aos olhares exposta
Solitário eu lamento meu estado de rejeição
E com meu vão pranto importuno o céu sem resposta
Olho a mim mesmo e ao meu destino lanço maldição
Querendo ser alguém mais rico em esperança
Modelado como outro, de amigos rodeado
Desejando de um a arte, de outro a pujança,
Invejando os que possuem, o que não me é dado
Ainda que desprezo a mim mesmo em pensamento
Feliz penso em ti e em meus pesares
Como um pássaro no matutino surgimento
Da cinzenta terra, canta hinos pelos ares.
E tão rico me é o teu doce amor lembrado
Que nem com os reis eu trocaria o meu estado

domingo, 19 de setembro de 2010

Os frutos.

Palavras que de mim brotavam,
Agora, tem suas raízes secas.
Elas padeciam vivas, passivas.
Escureço e amargo, enrijecida.

Minha casca oca, e galhos a titubear,
Que buscam d'alma esquecida,
Uma única gota ali encontrar;
Do escasso néctar, da inspiração apodrecida.

Passaram-se estações.
Como se eu fosse banal.
De minhas folhas foi tirada a beleza.
Estou murcha e frágil.

Nem uma flor aqui brota.
E ao meu caule inútil, resta envelhecer.
Se foram os propósitos, a luta.
Vou embora devagar, aos restos.

Mas ainda estou aqui, em algum lugar.
Ao redor e dentro. Em fragmentos.
Disperça então, em galhos;
Onde não haverão mais frutos.

Juliana Lima.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Cômodos

Levantei-me devagar, sentindo uma pressão fora do comum de cima para baixo. Era o peso da minha cabeça, ainda sob o efeito de algum tipo de bebida do qual eu mal poderia me lembrar. E nem queria. Tentei olhar para a janela, querendo ter alguma idéia de que horas seriam, mas o feixe de luz que vinha dela - por menor que fosse - fez arder minhas pupilas.
Por alguns segundos enxerguei o quarto como por trás de um vidro fosco, meus olhos. “Onde eu estava com a cabeça?” Foi o primeiro pensamento que atravessou minha mente, quase como um vulto. E senti mais uma vez o peso da minha cabeça, quando tentei levantar sem forças. Andei sozinha pelos cômodos, parando em cada canto do corredor. Tentando fazer emergir qualquer razão convincente pela qual não havia ninguém naquela casa. Apenas eu. Involuntariamente fui fazer algum café. Café esse que sempre sobrava. E que eu insistia em fazer a exata quantidade - ao menos para duas pessoas - caso eu tivesse que dividir em algum momento. “Que ilusão boba!” Pensei de imediato, enquanto jogava fora o resto do café anterior. Como de costume. Houve dias em que eu perdi a esperança por completo. Não havia mais nada ali, nada além de paredes com a pintura descascada, louça empoeirada sem uso, alguns discos velhos e livros cheirando a mofo. Ah, e é claro; uma alminha pequena e miserável. Fraca, e sem motivos mais para crer. Incapaz de ser como aqueles independentes e se curar sozinho, espantar sua dor; fazendo nascer em si um novo eu, renovado e limpo. Mas tem algo de incabível na frase “A vida continua”. Porque ela continua sim, mas seu aspecto é de morte, de perda e de abismo. De certo que ainda me resta um resíduo de sentimento, que sai de mim e atravessa essas paredes frias. Algo que persiste e cala toda a dor escondida por trás de cada móvel da casa. E me remete aqueles dias e noites em que fui inteira, em que aquele amor – por falta de um nome mais absoluto - encheu a mim e a esta casa de uma brisa leve e refrescante; como uma noite de verão. Onde tudo era mais confortável. Sentar no sofá para assistir televisão no domingo tinha outro aspecto. Entre braços que entrelaçavam tudo em mim, me deixando sem ar. Sufocando-me de uma harmonia contagiosa. Sei que ainda há vestígios em tudo aqui, eu apenas não consigo os encontrar. Eu nunca me vi numa posição de vítima, nem de fraca, acredite. Eu apenas acabei sendo colocada nessa categoria, acidentalmente. Creio que me apego a essas, como sendo minhas últimas palavras a respeito, pois toda persistência merece um ponto final. Eu poderia jurar que nunca usaria “Ponto final” me referindo a tudo que eu vivi antes, quase uma outra vida. Mas sinceramente, o ceticismo virou uma realidade amarga durante todos esses meses. Sempre achei que mentir pra si mesmo era insanidade e não funcionava. Mas agora soa como um bom começo, ou até mesmo uma escada para o triunfal escape, do abismo em que fui jogada. “Quem sabe a felicidade não é um conformismo vindo de uma mentira contada muitas vezes?” Mas para começar um desapego das minhas idéias, é necessário de início; crer. E no mais, escolher crer, pois entendi que é tudo basicamente uma questão de escolha, e claro; de se convencer daquilo que se quer crer. Mesmo que soe como uma mentira no começo. “É, acho que farei mais um pouco de café, dessa vez”. Sussurrei entre pensamentos rotineiros. E o dia passou, como de costume.

Juliana Lima

Cacos

São as suas ondas,
E a complexidade dos seus dias.
Feita de diamantes cravados,
Em latas de azeite.

É da carcaça cansada, e forte.
Do espírito firme.
Seus ciclos, seu útero.
Suas asas escondidas, encolhidas.

Mistura heterogênea
Caminha, balança, sua, canta.
Mas não sonha, sobrevive.
E correndo passa, por seus labirintos.

Corre, corre, não voa.
A maratona vital.
Sua rotina enclausurada.
Quanto concreto, tráfego, falantes.

Uma falsa liberdade.
Oprimida. Comprimidos.
Que sufoca, se sufoca.
Páginas repetidas.

O tempo dilacerado,
Entre cacos de um espelho.

Em meio a pó e sujeira,
O reflexo em pedaços,
Revela sua essência na carne.
Ela, estilhaço.

Juliana Lima.

Órbita

Preso à parede, limita-me
Observa e aprecia
Com seus ponteiros severos
Meu estado vil,
Impotência minha; subjugada.

Infinda batalha
Fuga idealizada
Do real, do sensorial.
Paredes de concreto,
Prendem-me não mais.

Meu corpo submetido,
À condição de cárcere privado
Impedimento não causa
À mente flutuante no asfalto.

Pensamentos feito pluma,
Não são aprisionados.
Sol, nuvem, estrela;
Céu aberto à desbravar.

Não mais me encontro aqui,
Liberta, sou um sopro
Acima do azul celeste, órbita;
De sonhadores habitada.

Juliana Lima.